Presente de Anninha

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sábado, 1 de maio de 2010

o contador de histórias

"O contador de histórias": uma história transformadora pela educação e pelo afeto

Você é um contador de história, como foi ver a sua na tela?
-Temos duas maneiras de contar histórias: chorando ou vendendo lenços. Eu sempre tive um cuidado muito grande, como contador de histórias, de contar a minha de maneira otimista e alegre. O meu grande medo, no começo, quando o Villaça propôs fazer um filme, é que ele não tivesse a sensibilidade para captar isso. Quando assisti ao longa pela primeira vez é que eu fiquei tranquilo, depois de sete anos (risos). Ele conseguiu, de uma maneira muito sensível, mostrar a história do jeito que eu gosto de contar, de uma maneira otimista.
(do site Cinema em Cena)

O Contador de Histórias”, filme dirigido sensivelmente por Luiz Villaça, conta a vida de um garoto esperto e cheio de vida que, aos seis anos, por conta da situação de extrema pobreza familiar, é levado, nos anos 70, por sua mãe, para uma recém inaugurada instituição para crianças em Belo Horizonte – a FEBEM (Fé, Esperança, Bons Modos, Educação e Moral). Baseia-se na trajetória de Roberto Carlos Ramos, interpretado pelos atores Marco Ribeiro (seis anos), Paulinho Mendes (13 anos) e Clayton Santos (20 anos).
O fato é que, de interno da Febem e menino de rua, hoje é homem bem sucedido, pai adotivo de 13 crianças, pedagogo, escritor e reconhecido contador de histórias.
Como num conto de fadas, Roberto Carlos teve sua real fada madrinha: Margherit Duvas, pesquisadora francesa (interpretada pela atriz franco-portuguesa Maria de Medeiros), para quem o garoto se transforma em protegido. Margherit tira Roberto Carlos das ruas e o conduz a tomar consciência dos direitos e das obrigações.
O filme inicia-se com um caminhar de pés descalços sobre trilhos de trens mineiros. O menino, aos13 anos, acaba de passar por mais um trauma. Anda cambaleante, se ajoelha. Ouvimos o apito de um trem se aproximando. Roberto deita-se o sobre os trilhos. Ouvimos a narração em primeira pessoa: "Naquele dia, eu queria morrer". E embarcamos nessa viagem-história. Assim, “O Contador de Histórias” vai nos conduzindo à trama com doses de emoção, lirismo, humor e, sobretudo, fantasia.
Quando assisti ao filme, hoje indicado na nossa praça cultural, fiquei a princípio sem saber se ele contava mesmo e de fato a vida de Roberto Carlos Ramos - um garoto conduzido à Febem pelas mãos e devaneios patrióticos da sua própria mãe, com a promessa de poder virar doutor - ou se o diretor havia se inspirado livremente no percurso singular da vida desse menino-personagem para, a partir dele, criar uma trama metafórica e ficcional, capaz de nos conduzir a uma reflexão e diversão coerentemente interligadas.
Penso que ambas as coisas acabam por acontecer. De uma forma bonita e singular, este filme recria a vida desse Roberto Carlos e nos insere no mundo da sua fantasia e memória. E nos surpreende com os desdobramentos que elas podem ter no nosso lugar de espectador inquieto e investigador. Somos, ao mesmo tempo, espectadores reais e sonhadores. Com o olhar de fora, testemunhamos um passado. Por um olhar curioso e interno, somos motivados a experimentar o universo infantil e imaginário, preservado pela emoção histórica do menino-narrador-personagem que sabemos existir na realidade e na ficção.
Através do olhar do menino-personagem revivemos no mesmo compasso os pesadelos e as esperanças, os sonhos e as dores de uma trajetória que poderia ter sido a de muitos outros meninos que povoam os noticiários televisivos ou que ocupam as salas de aula de nossas escolas. Pela trama que nos envolve e nos toca como espectadores aflitos e esperançosos, ficamos num cenário de imprecisa realidade ou imprecisa fantasia. Podemos ser testemunhas do tecer humano de uma vida. E saber de perto como equívoco cercado de ingenuidade - talvez uma metáfora do caos social - desemboca num desfecho surpreendentemente construtivo, como porto de salvação de algo determinado à infalível destruição.
Mais: somos testemunhas de como esse resultado, quase um golpe de sorte ou de alegria do destino, foi sendo arquitetado pela mediação educadora da personagem que ocupa lugar tão especial e que acaba modificando e revertendo a hipótese e esperada para uma situação de um menor infrator, uma dentre tantas que sabemos ocorrer bem na frente do nosso cenário real e cotidiano.Assim a história real/ficcional tem um final feliz incomum. Mas comprovadamente real. É isso que nos leva a refletir aqui e agora sobre o poder da Educação como um lugar de possibilidades e de construção das pequenas vitórias humanas.
Talvez a história mostre um encontro muito parecido com o das histórias de encantamento quando o personagem principal encontra a fada madrinha, antes de ser feliz para sempre. Só que nesta ela não tem varinha de condão. Começa com duas expressões que o menino, apesar do farto vocabulário aprendido na instituição e nas ruas, jamais ouvira: ‘com licença’ e ‘por favor’. Palavras que começaram a mudar sua vida que, embora dotado de imaginação fértil, chega aos 13 anos analfabeto. E com mais de 100 fugas no currículo, várias infrações e experiências de consumo de droga, ainda o diagnóstico de irrecuperável. Esse encontro é que muda a vida de Roberto para sempre. Hoje, 30 anos depois, ele no lugar aprendido, continua a mudar a vida de muitos outros meninos.
Nesse primeiro encontro aparentemente casual, mas buscado pelo olhar atento e afetivo da pesquisadora estrangeira, nasce uma relação parecida com a de mãe e de filho. Roberto acabou adotado pela francesa e foi morar na Europa onde completou seus estudos. Formado, ele voltou ao Brasil e foi estagiar na mesma Febem que havia, outrora, frequentado. Reencontrou sua família e começou a contar sua história em palestras, sempre com um sorriso no rosto. “Minha mãe francesa me ensinou que poderia ser ordinário ou extraordinário
. Fique atento num lance que mescla fantasia e realidade: é o menino que vai narrando o filme da sua própria história. Uma história transformada pelo afeto.
Confesso que, quando li por alto a sinopse na capa do DVD, fiquei com uma sensação de que seria mais um tema óbvio ou comercial. Mas o filme me conquistou, sobretudo pela forma como a história foi contada. Em especial é que surge surpreendentemente na sequência narrada a representação de como uma criança interpretaria os fatos, numa linguagem próxima a do desenho animado e dos contos maravilhosos. Recurso lindo em imagens e conteúdo.
Neste momento de recuperar a emoção de assistir a este filme, algo bem especial e peculiar: senti o fio da meada transformadora da vida do menino deslanchar quando ele se interessa por “Vinte mil léguas submarinas”, um livro que lhe cai da cabeça num momento em que a pesquisadora ensina ao seu pesquisado a olhar sempre para frente e não para o chão, como era seu costume. A partir daí, com a possibilidade de desvendar as palavras, é que se começa a tecer a sua educação. Os mistérios do fundo do mar ficam como um paralelismo ao de cheirar cola. Entram na imaginação do menino, configuram uma consistência poética. Fico apostando, mais uma vez, numa pausa avaliativa que a leitura é mais importante do que pensamos na feitura das vidas humanas.
Com este breve retrato, tecido com as cores da memória e da fantasia, podemos ter uma lente para analisar o nosso tempo decorrente e presente. O que está sendo vivido por tantos meninos nas famílias, nas escolas, nas ruas e que poderão ter suas vidas adultas modificadas por encontros transformadores. Que eles possam contar as suas vidas cotidianamente como quem conta sobre vidas cidadãs. Lembrei agorinha de um refrão de uma boa e bela canção mineira: “os sonhos não envelhecem... ”.
Antonio Gil Neto


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Sopre cinzas pela janela ... Guardar sentimentos como mágoa , ressentimento , rancor e ódio , envenena o coração e atrai doenças como o câncer e outras tantas ... Então meu amigo , minha amiga , jogue todas coisas ruins ao vento e pode ter certeza não irás colher tempestades , não . O vento filtra todas as coisas negativas e as transforma em poesia

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